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RIO - O relógio digital do corredor da Maternidade São Francisco, em Niterói, marca 20h11min. Lucas nasce cabeludo, pesando 2,910 quilos e medindo 48 centímetros. Após ser examinado pelo pediatra e ter o cordão umbilical cortado pelo pai, é erguido pelo obstetra em direção a uma câmera instalada no teto da sala de parto.
Em outro andar, 20 pessoas acomodadas num auditório chamado Cine Parto observam, eufóricas, a rápida sequência de cenas ao vivo, numa TV de 52 polegadas. Quando avistam o bebê, levantam taças de champanhe e celebram o nascimento como se estivessem comemorando um gol.
— Minha família é festeira — diz a médica Alice Rosati, de 37 anos, que deu à luz Lucas no dia 3 de setembro. — É o meu primeiro filho. Tive uma gestação complicada, fiquei de repouso absoluto desde o quarto mês de gravidez. Meus amigos e minha família estiveram ao meu lado o tempo todo. Queria muito compartilhar a felicidade.

Até Lucas nascer, o tempo demorou a passar no Cine Parto. A TV do auditório só mostrou imagens instantes antes do nascimento. Quando o vídeo foi aberto, Alice conseguia ver a plateia através de um monitor instalado na sala de parto, e mandava beijos e tchauzinhos. A sessão durou dez minutos. Para entreter o público presente, a avó materna de Lucas, Ângela Rosati, serviu casadinhos de goiabada e mil-folhas de canela. O primeiro gole de champanhe só foi liberado após o rostinho do bebê aparecer na telona.
— No meu tempo, a família tinha que ficar esperando a notícia do nascimento no corredor da maternidade, rezando — lembra a avó.
O Cine Parto surgiu há dois anos, na inauguração da maternidade. Nos primeiros meses, era um serviço gratuito. Quando começou a ganhar popularidade, passou a ser cobrada uma taxa de R$ 200 — quantia considerada simbólica no mercado do Rio, onde um parto feito por um obstetra top chega a custar R$ 23 mil. Dos 220 nascimentos que acontecem todo mês no hospital, cerca de 30% são transmitidos ao vivo.
— Recebemos grávidas de Búzios, Cabo Frio e Friburgo atraídas pelo Cine Parto — conta Jair Albuquerque, pediatra e diretor da maternidade. — Uma segunda sala de cinema será construída na expansão do hospital. E, em breve, transmitiremos o parto ao vivo pela internet.
Durante a entrevista, uma gestante passa pelo corredor e comenta que seu médico não autorizou a transmissão. O diretor da maternidade, então, explica que alguns obstetras não se sentem confortáveis diante da câmera, “são tímidos”, ele diz.
— O Cine Parto não expõe a mãe, pois as imagens veiculadas preservam o campo cirúrgico — endossa o pediatra.
Transmissão ao vivo divide opiniões
A proposta do Cine Parto divide opiniões.
— É uma exposição desnecessária — opina a obstetra Bella Tartari, especializada em gestação de alto risco: dos seis mil partos que fez, em 30 anos de profissão, nenhum foi transmitido ao vivo.
A obstetra Rachel Frota lembra que, seja um parto normal ou uma cesárea, toda cirurgia é passível de complicações:
— Na obstetrícia, tudo dá certo em mais de 90% dos casos. Mas de 2% a 5% dos partos desenvolvem problemas. Imagina se a família inteira está preparada para uma festa e a criança não nasce bem? A comédia romântica pode virar thriller.
A exibição dos primeiros momentos da vida de um recém-nascido também acontece no Hospital Israelita Albert Eisntein, em São Paulo, um dos mais conceituados da América Latina. As salas de parto são equipadas com janelas que, num toque de mágica, abrem-se no momento do nascimento.
— Cenas espetaculosas nunca vão conseguir transmitir o que pai, mãe e filho estão vivendo na sala de parto — acredita a psicóloga Laís Fontenelle, do Instituto Alana. — Sinto saudades daquela foto clássica do pai segurando o filho vestido de avental azul e com os olhos cheios de lágrimas. O registro ia para o álbum do bebê. Hoje, vai direto para as redes sociais. Aonde a gente vai parar com esse espetáculo?
Na Perinatal de Laranjeiras, as 17 suítes da nova ala têm decoração clean, inspirada em hotéis como o Fasano, e duas TVs instaladas lado a lado: uma passa a programação da TV a cabo, e a outra mostra o berçário em tempo real. Assim, a família pode acompanhar o bebê 24 horas por dia. Para completar, a foto do bebê, assim como dados sobre peso e medida, fica exposta num tablet na porta da suíte.
— Qualquer minuto longe da minha filha me deixa aflita. A câmera que captura as imagens do berçário ameniza a ansiedade — diz a fisioterapeuta Micaella Melo de Paula, que teve Isabella mês passado.
O mercado infantil não para de se reinventar — e de faturar. Segundo análise do Sebrae, o setor movimenta R$ 50 bilhões ao ano no país. De 2012 para 2013, teve um crescimento de 14%, o dobro do registrado em setores destinados ao público adulto. Nesta terça-feira, acontecerá a Mega Gestante Bebê, no Riocentro. Considerada a maior do segmento no mundo, a feira vai dobrar de tamanho nesta edição, ocupando uma área de 20 mil metros quadrados, para abrigar lançamentos como o berço de LED.
— O mercado em torno do nascimento cresce porque as famílias estão tendo menos filhos e, por isso, planejam dar tudo do bom e do melhor para a criança — acredita Ormar Gil, diretor comercial da Reluk Eventos, que há duas décadas organiza a feira no Rio, em São Paulo e em Curitiba. — O maior mercado consumidor de produtos para gestantes e bebês é o Rio. Reparo nas feiras que a grávida carioca é mais independente. É uma mulher quase indomável, compra tudo o que gosta.
Entre os 20 estandes destinados a foto e filmagem, uma das novidades é o estúdio infantil BB Art, que produz um videoclipe do dia do nascimento (o Cine Baby) por R$ 2.400.
— O trabalho fica pronto até 24 horas após o parto, para os pais poderem publicar no Facebook. É um vídeo para fazer chorar — define o fotógrafo e videomaker Bruno Barbosa, que migrou do mercado de casamentos para o de nascimentos em abril.
Em meados de setembro, o BB Art acompanhou o dia do nascimento de Maria Eduarda, a primeira filha do goleiro Felipe, do Flamengo, com Katherine Aguiar. Embalado pela música “Hallelujah”, de “Shrek”, o videoclipe começa com o jogador e a mulher se arrumando em casa: ele passa perfume enquanto ela capricha no rímel, no blush e no batom. Corta para a entrada da Perinatal da Barra, onde eles estacionam a caminhonete Land Rover branca e seguem empurrando uma mala de oncinha para a suíte no quinto andar. As cores da decoração do quarto combinam com a blusa dele, com a blusa dela e com o figurino de toda a parentada presente: rosa é o uniforme oficial da festa.
— Meu sonho sempre foi ter uma menina — conta Felipe, de 29 anos, pai de dois meninos, um de 5 e outro de 9 anos, frutos de seu relacionamento anterior. — Quando tive meus dois primeiros filhos não era essa produção toda...
Dividida em dois ambientes, a suíte de Maria Eduarda foi decorada com balões dourados e almofadas florais. Na varanda, havia uma mesa ornamentada com ursas fantasiadas de princesa, lembrancinhas e cem brigadeiros arrumados em forminhas com design de carrinho de bebê. A festa foi organizado por Adriana Romualdo, advogada que trocou os tribunais pelas festas infantis e criou a Julubeca, empresa que tem um showroom dentro da Perinatal da Barra.
— O Felipe me ligou uma hora da manhã para pedir mais brigadeiros e garrafinhas d’água personalizadas — conta Adriana.
A cerimonialista começou a arrumar a suíte VIP da filha do jogador às 13h. Às 17h, ela estava a postos para receber o casal e acompanhá-lo até o quarto. Maria Eduarda nasceu às 20h, de cesárea. Às 21h, Adriana levou ao berçário a roupinha cor-de-rosa que a neném vestiria. No dia seguinte, voltou ao quarto para repor doces e bebidas para a segunda leva de convidados. O pacote custou R$ 6 mil.
— Quando o parto é normal, consigo aprontar a festa toda em duas horas — conta Adriana. — Mas, na Barra, a grande maioria faz cesárea e organiza com antecedência. Em Laranjeiras, as mulheres são mais low profile: querem tentar parto normal e não gostam de fazer festa no quarto, preferem apostar em lembranças boas.
Por “lembranças boas” leiam-se brindes que custam R$ 50, a unidade, como um difusor de ambiente e um minifondue de porcelana — personalizados. Na faixa dos R$ 30, entram a caixinha de bem-nascidos e a garrafinha de baby Chandon. Álcool gel e latinha de balas saem por R$ 15.
Cerveja liberada, Bateria barrada
Musa da Portela, Shayene Cesário encomendou todas as categorias de brindes — e outros extras — no showroom da Julubeca para presentear os convidados no dia do nascimento de Ana Patrícia, sua primeira filha, em agosto. Na recepção, sanduíches foram servidos com champanhe e, a pedido dos convidados, rolou até cerveja na suíte da maternidade. O grande momento ainda estava por vir. Na alta de Ana Patricia, o mestre-sala, a porta-bandeira e dez passistas da Filhos de Águia, a escola mirim da Portela, foram recebê-la na porta. Só faltou a bateria, que, para tristeza de Shayene, foi barrada.
— Não podemos esquecer que estamos num hospital — explica o pediatra Maurizio Pellitteri, diretor da Perinatal da Barra. — Há regras em hotéis, há regras em grandes empresas e há regras na Perinatal da Barra.
No último ano, aliás, a direção da maternidade precisou fixar regras em relação ao número de visitantes por quarto, que andou se excedendo com as festas cada vez mais animadas. Os 68 quartos da categoria standard podem receber, no máximo, seis pessoas por vez; as 14 suítes luxo, dez. Às 21h em ponto, a algazarra tem que acabar.
— Temos 30 partos por dia, se cada quarto tiver simultaneamente 15 visitantes, a maternidade vira uma bagunça. As mulheres que acabaram de ter um filho precisam descansar, e os bebês, ser resguardados — ressalta Pellitteri.
Especialista em cuidados com recém-nascidos e espécie de papisa da amamentação, a francesa Stephanie Sapin-Lignières é contra a organização de festas na maternidade:
— O primeiro dia é fundamental no processo da amamentação, pois o bebê está com instinto à flor da pele.
O pediatra Daniel Becker observa que o advento das festas de nascimento está diretamente ligado ao processo de desumanização dos partos que vem acontecendo nas últimas duas décadas — na rede particular, 93% dos nascimentos são cesarianas, segundo levantamento da Secretaria municipal de Saúde:
— Quanto mais longe do lado humano do parto ficam as mães, mais perto elas ficam dessa feira de vaidades. Algumas parecem mais preocupadas em brilhar do que aprender a lidar com o bebê.
Para o antropólogo Michel Alcoforado, da Consumoteca, a transformação do momento íntimo e pessoal do nascimento em evento social é um reflexo dos valores da sociedade contemporânea:

— Estamos nos aproximando da cultura oriental no sentido que os bebês já passam a existir no mundo a partir de sua concepção. A gestante precisa fazer aquele ensaio fotográfico com o nome do bebê escrito com batom na barriga; os pais postam a ultrassonografia em 3D no Facebook e discutem se o rostinho parece mais com a mãe ou com o pai. Há toda uma indústria transformando o indivíduo antes mesmo de nascer.
oglobo.globo.com  

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